Maurício Pereira – MICRO, versão streaming.
1-Fugitivos (Maurício Pereira) Spin Music
2-Andas Seca (Maurício Pereira/Luís Felipe Gama) Spin Music/Inspiração Musical
3-Não Me Incommodity (Maurício Pereira/Edson Natale) Spin Music
4- Um Dia Útil (Maurício Pereira) Warner Chappell
5- Não Adianta Tentar Segurar o Choro (Maurício Pereira/Lincoln Antônio) Spin Music
6- Um Teco Teco Amarelo em Chamas (Maurício Pereira/Arthur de Faria) Spin Music
7- Pan y Leche (Maurício Pereira) Warner Chappell
8- Outono no Sudeste (Maurício Pereira/Daniel Szafran) Spin Music
9- Deixa Eu Te Dizer (Maurício Pereira/Tonho Penhasco) Spin Music
10- Imbarueri (Maurício Pereira/André Abujamra) Warner Chappell
11- Pra Onde Que Eu Tava Indo (Maurício Pereira/Chico Lobo) Spin Music/Humaitá
12- Criancice (Maurício Pereira) Spin Music
guitarra, vocais: Tonho Penhasco
voz, sax soprano: Maurício Pereira
produzido por Gustavo Ruiz
Fugitivos (Pereira)
seu-prefeito está chegando
seu-prefeito tá saindo escondido
ele quer pôr um nome nas coisas
nessas coisas que nunca têm fim
sinhô-capitão está chegando
sinhô-capitão tá saindo escondido
ele quer dar uma ordem pras coisas
mas as coisas nunca tão a fim
seu-prefeito, sinhô capitão
seu-prefeito, sinhô capitão
cientista-maluco está chegando
cientista-maluco tá saindo escondido
ele quer ter um nome pras coisas
pra essas coisas que não têm um fim
seu-dotô está chegando
seu-dotô tá saindo escondido
ele quer pôr um creme nas costas
dessas coisas que nunca vão bem
seu-dotô, cientista-maluco
seu-dotô, cientista-maluco
sinhazinha está chegando
sinhazinha saiu escondida
ela vai pôr um creme na noite
que é pra a noite nunca mais ter fim
sinhazinha
seu-dotô
cientista-maluco
sinhô-capitão
Andas Seca (Pereira/Gama)
andas seca
(passa)
introversa
passas
pensativa:
um dia pode ser tão triste
(a vida passando inteira num filme)
andas à caça
(rastreias)
desconversas
convexa
desconexa:
intensos sinais de fumaça
(aviso jogado ao mar em garrafa)
andas quieta
(viv’alma…)
teu silêncio alveja
(extermina)
todo aquele que
– incauto –
de ti se aproxima
ah, se admitisses
que é apenas um
– e só aquele –
beijo
o que te acalma
Não Me Incommodity (Pereira/Natale)
imagina no fundo do fundo de um monte de soja
de mil toneladas no fundo do fundo
um singelo segredo, uma simples miragem
o porão do navio, outra parte do mundo
imagina uma coisa com peso de pluma
num canto perdido dum trem de minério
um acaso, uma história, lógica alguma
um brinquedo quebrado
um pequeno mistério
imagina que entre os milhões de barris de petróleo
estocados no Iraque, Istambul ou Vitória
esteja lá invisível, miúda, esquecida
uma mínima imagem de nossa senhora
imagina que agora agorinha lá em Hong Kong
tem um estivador que num clique, um rompante
e sem ter a menor explicação do motivo
mete a mão numa lata de fertilizante
imagina Nigéria, Dubai ou Osaka
o obreiro recolhe na mão a santinha
que estranha energia essa imagem carrega
amuleto, chaveiro, lembrança, mandinga
imagina, você tá vendo televisão
navegando invisível pela economia
pro jornal a notícia tá ali numa foto
essa mínima imagem da ave maria
imagina você tá de frente pra a imagem
e se entrega pra ela com adoração
de repente a figura sagrada te chama
“a commodity é a santa, o sagrado é o feijão”
não se incommodity
não me incommodity
não se incommodity
não me incommodity
Um Dia Útil (Pereira)
de manhã eu levantei, fiz xixi
li o jornal
sem escovar o dente
tomei café com leite (como sempre correndo)
me arrumei, fui trabalhar
nem lembrei de dizer tchau pro povo lá de casa
fui tocar música com meus amigos músicos
e aí eu canto (o dia inteiro eu canto)
e canto, e canto, e canto, e canto
às vezes pra ninguém porque é um ensaio
às vezes pra ninguém mesmo não sendo ensaio
mas sempre junto com meus amigos músicos
e quando vai uma multidão parece que eu sou tão importante
depois acaba tudo
e eu volto quieto pra casa
e quando eu chego lá em casa tá todo o mundo dormindo
tá tudo escuro
escuro pra burro
eu fico olhando a rua pela janela de casa
é madrugada
eu sozinho com eles dormindo
desligo
a última luz da casa
vou dando trombada até
o quarto dos moleques
cubro eles, um por um
beijo eles, um por um
topeço um bocado
pra chegar na minha cama
eu dou
um beijo leve e demorado nos cabelos
da minha mulher que dorme
eu tiro a roupa
eu deito acordado
eu tô nu
eu me cubro
olhos arregalados numa fresta de luz no teto
e eu sonho sozinho
com meu coração pequenininho
minha compreensão também pequenininha
do conjunto das coisas todas
eu, o medo da morte, e tudo o mais
sonhando sozinho, eu me pergunto
se quando a gente canta alguém presta atenção na letra
mas eu tento tentar dormir
e aí vem aquele monte de dúvidas
que a gente tem quando trabalha como artista
e vem fé e vem tristeza e vem alegria
e tesão e neura e fantasia
e dionísio e ditadura
e eu não sei, não sei, não sei, não sei…
eu pego no sono
eu preciso dormir um pouco
e sonhar muito
que se o cara não descansa ele não canta direito
e não leva sustança
pro coração do cidadão comum
e amanhã é mais um grande dia
um dia comum de muito trabalho
um dia grande
que nem um diamante
um longo dia belo
um baita dia duro e lindo
e eu ganho pra estar brilhante
num dia útil
Não Adianta Tentar Segurar o Choro (Pereira/Antônio)
não adianta tentar segurar o choro
conter, calar, guardar, deixar estar pra sempre
o fim do por do sol, um par de olhos vermelhos
pesar o que o coração sente
cantar baixinho soluçando de joelhos
não adianta tentar segurar o choro
brecar o fim de um filme, o fim de um namoro
o amor será mais belo ao se mostrar finito
vem cá chorar cantando
depois da noite o dia voltou mais bonito
não adianta tentar segurar o choro
vazio, avesso, ateu
tambor sem nada dentro
apenas nada mais que só um instrumento
ecoa no salão imenso
o uivo de um navio apita o seu lamento
não adianta tentar segurar o choro
tudo o que se sente é santo
tudo quanto é sopro é bento
não adianta tentar segurar o choro
canta em minha flauta o vento
dor de tudo quanto é peito
não adianta tentar segurar o choro
vem de tudo quanto é jeito
samba em tudo quanto é canto
tanto mais o desencanto
mais ele será perfeito
Um Teco Teco Amarelo em Chamas (Pereira/Faria)
um teco-teco abatido em chamas
eu sinto o clangor da morte
voando por instrumentos
amasso cartões postais
um teco-teco abstrato em chamas
eu sinto o calor das pistas
suando sem instrumentos
agudos sons de cristais
um teco-teco aturdido em chamas
eu sinto o pavor das alturas
respiro por instrumentos
perfil contra o pôr-do-sol
o tico e o teco explodindo em chamas
eu sinto sabor de mangas
devoro sete instrumentos
pagão numa catedral
um teco-teco amarelo em chamas
Pan y Leche (Pereira)
yo quiero estar contente
eu e toda a minha gente
yo quiero
pan y leche
que se possa ir pra frente
ser bonito e inteligente
sempre
pan y leche
e que apesar do presidente
tenha casa, escola e dente
fartamente
pan y leche
e que numa noite quente
por acaso chova e vente
(que bom!)
pan y leche
bem agora, de repente
ter você na minha frente
rente
pan y leche
e que quando a gente deite
sonhe sossegadamente
que nós somos
pan y leche
tchau, tchau, tchau, arrivederci
yo me voy tranquilamente
sente
pan y leche
anticonstitucionalíssimamente
queremos
pan y leche
Outono no Sudeste (Pereira/Szafran)
a lua tá nascendo enorme atrás do quartel
tá quente
tá seco
o ar
tá particularmente imundo hoje
e isso deixa o pôr-do-sol ainda mais bonito
mexe comigo
a gente combinou de se ver logo mais
e eu não tou com a menor vontade de ir
tá rolando um carteado forte
ali na borracharia
já pedi uma cerveja
acendi mais um cigarro
ainda não decidi
o que é que eu vou fazer
se eu tocasse violão fazia um samba
mas não toco
então vou tomar outra cerveja
aliás
pra falar a verdade
tou começando a ficar atrasado
e eu sei muito bem que isso deixa ela uma fera
tá quente
tá seco
o ar
tá desesperadamente imundo hoje
o carteado segue firme
ali na borracharia
e que puta lua, hein meu?
põe outra cerveja aí
outono no sudeste
outono no sudeste
outono no sudeste
tá quente
tá seco
o ar
tá maravilhosamente imundo hoje
vou fumar com muita calma
soltar nuvens de fumaça
outono no sudeste
outono no sudeste
outono no sudeste
a lua tá nascendo enorme atrás do quartel
Deixa Eu Te Dizer (Pereira/Penhasco)
deixa eu te dizer
fica tranquila
fica tranquila
fica tranquilinha, viu?
meu amor
dúvida cruel
dúvida cruel
será que
tudo o que eu senti
precipitação
não? não? não?
Imbarueri (Pereira/Abujamra)
Imbarueri
a linha de trem
um circo marrom
Imbarueri
um simples pardal
revólver azul
Imbarueri
Paris é New York
Tietê, Tatuí
Imbarueri
um índio tupi
um lobo guará
Imbarueri
o galo cantou
o rato sorriu
Imbarueri
um táxi feliz
só eu e você
cê não sabe o que acontece ali…
Pra Que Eu Tava Indo? (Pereira/Lobo)
aeroporto lotado
meu vôo já tá saindo
por um momento eu esqueço
pra onde que eu tava indo
boto energia na mente
procuro a concentração
onde é que tá meu bilhete?
vasculho o bolso com a mão
e um turbilhão de lembrança
nessa fração de segundo
empurra meu pensamento
pra outro tempo do mundo
minha avó fritando um bife
meu tio pescou lambari
a prima estuda sanfona
os manos lendo gibi
e eu carregando sonhos
possível realizar?
também, não tou preocupado
se é Deus quem vai comandar…
aeroporto lotado
meu vôo já tá saindo
por um momento eu esqueço
pra onde que eu tava indo
podia ser presidente
para o Brasil defender
trabalho, farra e justiça
assim é que eu ia fazer
ou então morar na França
e ter pinta de galã
beijar Brigitte Bardot
beber com o Ives Montand…
um astronauta famoso
viver no mundo da Lua
problema é eu morrer de medo
até pra cruzar a rua
jogador de futebol
alguém já teve essa idéia?
vou tentar cuspe à distância
numa equipe da Coréia…
aeroporto lotado
meu vôo já tá saindo
por um momento eu esqueço
pra onde que eu tava indo
generoso como eu sou
ser padre até que era bom
e todo dia na missa
beber vinho e comer pão
ou dirigir caminhão
uma carrreta gigante
um amor em cada posto
pra contentar o possante…
já sei, eu vou pra São Paulo
eu tenho essa idéia fixa
ter carro, terno e escritório
ficar rico e comer pizza
ter estresse e muita pressa
ir no psicanalista
casar com uma japonesa
morar na avenida Paulista
aeroporto lotado
meu vôo já tá saindo
por um momento eu esqueço
pra onde que eu tava indo
Criancice (Pereira)
criancice criançasse
saci plantasse alface
quiçá sassaricasse
até asa criasse:
trança crescesse
e de um tranco à França fosse
como quem de táxi andasse…
com gosto na hora do almoço
de tremoço empanturrar-se
sorvete vertesse em taça
em grande alvoroço fartar-se
e até mais moça ficasse a face
se com a moça face a face eu me encontrasse
a terra então em transe entrasse
e feito um pazzo eu me apaixonasse
o tempo parecesse que parasse
muito embora bem depressa passasse
ah, se eu a amasse…
talvez até a amassasse
e criancice criançasse
saci plantasse alface
quiçá sassaricasse
até asa criasse:
trança crescesse
e de um tranco à França fosse
como quem de táxi andasse…
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